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19/07/2019
 

Como a HBO errou em Chernobyl
 
* por Leonam dos Santos Guimarães, presidente da Eletronuclear

Em 10 de julho de 2019 a American Nuclear Society (ANS) publicou artigo do Dr James Conca, originalmente publicado na revista Forbes.  Como entendo ser um dos melhores artigos sobre a série HBO Chernobyl já publicado, apresento a seguir uma tradução livre.

A minissérie da HBO Chernobyl foi elogiada por seu retrato realista do lugar e da época. Sob esse aspecto, foi realmente impressionante. A atuação foi fantástica, o roteiro e as cenas deram uma sensação realista da União Soviética em colapso, e houve cenários incríveis, especialmente da sala de controle e da própria explosão.

Foi bom que o roteirista e criador de Chernobyl tenha representado muito bem a política vigente à época, a negação da realidade, as mentiras divulgadas e a absoluta ausência de uma cultura de segurança, ausência essa que deu margem a um gerente simplesmente ignorar os protocolos de segurança. Entretanto, no aspecto principal de todo o caso, ou seja, a radiação, a minissérie falhou completamente, e a radiação é o aspecto mais importante.

A razão pela qual a minissérie falhou sobre radiação e seus efeitos sobre a saúde e meio ambiente, foi que o diretor deliberadamente evitou falar com especialistas sobre esse assunto. Em vez disso, a minissérie seguiu de perto um livro recente, Vozes de Chernobyl, da bielorrussa ganhadora do Prêmio Nobel, Svetlana Alexievich, que é uma coletânea de entrevistas com sobreviventes do acidente do reator nuclear.

Alexievich é uma jornalista e historiadora, cujo livro não é baseado em conhecimento científico dos eventos ou nos reais efeitos sobre a saúde, mas nas impressões de pessoas que viveram ou conheciam pessoas que viveram o acidente. Portanto, o impacto emocional da minissérie foi perfeito, enquanto o impacto científico não foi muito melhor do que nos Simpsons, o que é uma pena.

Chernobyl parece ser o espetáculo mais bem cotado de todos os tempos no IMdb e foi a melhor oportunidade (perdida) que tivemos até agora para explicar os fatos corretamente para o público e  diminuir o alarmismo sobre radiação, que já matou mais pessoas do que própria radiação.

Várias boas análises e críticas da minissérie foram feitas, muitas delas por especialistas que estiveram lá e que trabalharam na questão ao longo das décadas desde então, tratando e monitorando as pessoas e os lugares afetados, incluindo aqueles que criaram estratégias de remediação ambiental para as áreas próximas.

Todos dizem a mesma coisa: só o medo da radiação matou pessoas fora da área de Chernobyl. Todos os estudos epidemiológicos e de saúde (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8) mostraram que os efeitos da radiofobia na saúde mental a longo prazo, ou seja, o medo, foram as únicas consequências significativas do acidente para a saúde pública fora da vizinhança da própria Chernobyl.

Muitos examinaram a minissérie ponto a ponto para verificar sua veracidade científica, o que é tedioso, mas alguns exemplos podem ilustrar o problema. Tudo parece muito bem feito na tela, mas para os leigos, eles espalham, sutil e vigorosamente, os mitos de radiação e morte.

O pior foi a esposa grávida de um bombeiro que visitava o marido com síndrome aguda da radiação (SAR), o que levou o bebê a absorver tanta radiação que morreu. A cientista-heroína fictícia da HBO, interpretada maravilhosamente por Emily Watson, declarou: "A radiação teria matado a mãe, mas o bebê a absorveu". Essa afirmação é totalmente inverídica.

O pai não era radioativo: ele recebeu uma dose de radiação que não pode tornar a pessoa radioativa. A doença da radiação não é contagiosa. Somente ingerindo uma quantidade enorme de material radioativo pode tornar um ser humano radioativo, e isso não aconteceu com ninguém por causa de Chernobyl. Mas essa história fictícia apareceu em Vozes de Chernobyl, contada a Alexievich por alguém em algum lugar, ao ponto que o diretor achou que deveria ser verdade. Entretanto não foi. Múltiplos estudos mostraram que não houve grávidas afetadas pela radiação de Chernobyl, embora muitos abortos desnecessários tenham sido realizados por medo infundado.

O Dr. Robert Gale da UCLA afirmou: “Nós estimamos que o conselho incorreto dos médicos sobre a relação entre exposição materna à radiação de Chernobyl e defeitos congênitos resultou em mais de um milhão de abortos desnecessários na União Soviética e na Europa”. Muitos dos mesmos médicos bem-intencionados, mas mal informados, que Alexievich entrevistou para o livro dela. Dr. Gale é um especialista em transplantes de medula óssea renomado mundialmente que foi imediatamente tratar as vítimas de Chernobyl após o acidente e passou dois anos trabalhando lá. Nos 30 anos seguintes, Gale trabalhou em vários estudos sobre as consequências médicas a longo prazo de Chernobyl.

Outra cena absurda da minissérie acontece no hospital local que parece mostrar crianças que sofrem de síndrome aguda da radiação. Isso não aconteceu. Os únicos casos de SAR estavam entre os bombeiros e os trabalhadores, nenhum no público, mesmo da cidade local de Pripyat. Certamente não em quaisquer crianças.

São necessários mais de 1.000 millisieverts (mSv) para ocorrer a SAR, e isso depende da taxa da dose, de uma só vez ou por algum tempo, e do tipo de radionuclídeo. A dose média para a população de Pripyat foi de apenas cerca de 30 millisieverts, o equivalente a três tomografias de corpo inteiro, uma quantidade a qual nunca se viu causar efeitos de saúde de qualquer tipo. Fora desta população local, as doses nunca excederam 10 mSv por ano, uma quantidade de radiação natural comum em muitos lugares ao redor do mundo onde centenas de milhões de pessoas viveram durante séculos sem qualquer dano mensurável.

No geral, o Instituto Nacional de Saúde dos EUA declararam recentemente que, “apesar dos melhores esforços dos estatísticos e epidemiologistas, os alegados milhares de cânceres e mutações induzidos por Chernobyl ainda não se manifestaram”. E nós temos procurado arduamente por 33 anos.

Não importa se foi a cena da Ponte da Morte, a cena do Helicóptero, fingir que a radiação faz você começar a sangrar, fingir que um reator nuclear pode explodir como uma bomba nuclear ou alegar um aumento dramático nas taxas de câncer na Ucrânia e na Bielorrússia, para radiação e morte o roteiro foi um drama fictício histórico, pesado no drama. Mas então quem de fato morreu?

Segundo a AIEA, o Coordenador das Nações Unidas para Assuntos Humanitários, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Comitê Científico das Nações Unidas sobre os Efeitos da Radiação Atômica, a Organização Mundial da Saúde, o Banco Mundial e os governos da Bielorrússia, Rússia e Ucrânia, as mortes reais foram:

  • 2 mortes imediatas por efeitos não ligados a radiação
  • 29 fatalidades prematuras por SAR em quatro meses por radiação, queimaduras e inalação de fumaça,
  • 19 fatalidades tardias de adultos presumivelmente por radiação nos próximos 20 anos, embora esse número esteja dentro da incidência normal de mortalidade por câncer neste grupo, que é de cerca de 1% por ano, e
  • 9 fatalidades tardias de crianças, resultando em câncer de tireoide, presumivelmente por radiação.

Estes são resultados sérios de um acidente horrível, mas eles não chegam ao nível de centenas de desastres de explosões químicas, rompimentos de barragens, desastres de mineração de carvão, ou até mesmo os milhares de pessoas que morrem todos os anos de intoxicação alimentar.

Estudos epidemiológicos e de saúde referenciados

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