Comunicar sobre energia nuclear por aqui é, muitas vezes, remar contra a maré. O tema ainda é cercado de mitos e desconfianças, muitos deles plantados pela indústria cultural: filmes como Chernobyl, Os Simpsons e O Exterminador do Futuro contribuíram para consolidar no imaginário popular uma imagem distorcida, quase sempre negativa, da energia nuclear. Resultado? Rejeição automática e pouco espaço para o debate técnico.
Os grandes acidentes nucleares — Fukushima (2011), Chernobyl (1986) e Three Mile Island (1979) — também contribuíram para o medo coletivo. No entanto, a cobertura midiática desses eventos frequentemente ampliou seus efeitos reais, distorcendo números e consequências. Muitos ainda acreditam que milhares morreram imediatamente em Chernobyl, por exemplo, quando os relatórios da UNSCEAR (Comitê Científico da ONU sobre os Efeitos da Radiação Atômica) indicam um número de vítimas muito menor, limitado em grande parte a casos de câncer de tireoide em populações específicas. Em Fukushima, nenhuma morte foi causada por radiação, e em TMI não houve sequer exposição significativa. O contraste entre os fatos e a narrativa midiática reforça o pânico e impede um debate racional sobre os riscos e benefícios da energia nuclear.
Um exemplo pouco discutido desse efeito colateral da desinformação foi observado no Japão, após o acidente de Fukushima. Com o desligamento das usinas nucleares, o preço da eletricidade subiu significativamente, o que levou muitas famílias a reduzir o uso do aquecimento durante os invernos rigorosos. Um estudo do Instituto de Labor Economics (IZA) estima que mais de 1.200 mortes por frio, entre 2011 e 2014, podem estar associadas a esse aumento no custo da energia. Ou seja, o medo gerado por percepções distorcidas da energia nuclear teve consequências concretas e letais — mais graves, inclusive, do que os efeitos diretos da radiação naquele episódio.
Curiosamente, vimos um fenômeno semelhante durante a pandemia de covid-19: muita gente recusando informações de fontes confiáveis e dando mais crédito a boatos, teorias da conspiração e vídeos virais do que à ciência. Quando o medo toma conta e a informação é complexa, a desinformação se alastra com facilidade.
No caso da energia nuclear, a barreira técnica é real — mas a comunicação precisa evoluir. Ainda falamos com jargões, planilhas e PDFs, quando deveríamos estar contando histórias, ouvindo as pessoas e traduzindo ciência em confiança. Sem isso, ficamos vulneráveis ao sensacionalismo e às fake news que freiam o avanço de uma fonte energética estratégica, limpa e estável.
Além de segura, a energia nuclear é uma das que menos emitem gases de efeito estufa por unidade de eletricidade gerada — comparável às fontes renováveis, mas intermitentes, como a eólica e a solar. Em um mundo que enfrenta os impactos crescentes do aquecimento global, abandonar a nuclear por medo ou preconceito histórico significa, na prática, fortalecer o uso de combustíveis fósseis. E esse custo é alto: segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a poluição atmosférica causada principalmente pela queima de carvão, óleo e gás é responsável por cerca de 7 milhões de mortes prematuras por ano no mundo, muitas delas por doenças respiratórias e cardiovasculares.
É duro, mas necessário dizer: o preconceito contra a energia nuclear já matou muito mais gente do que a própria energia nuclear. Ao impedir sua expansão, perpetua-se a dependência de fontes poluentes e perigosas. Combater esse estigma é, portanto, mais do que um esforço técnico ou comunicacional — é uma questão de saúde pública, justiça climática e responsabilidade com as futuras gerações.
Se aprendemos algo com a pandemia, é que informação pode salvar vidas. E talvez a comunicação sobre energia nuclear também precise partir desse princípio: menos tecnicismo, mais empatia; menos medo, mais diálogo. A transição energética precisa de ciência — mas também de gente disposta a contar sua história de forma acessível e humana.
Por: André Osório, chefe de gabinete da Presidência, e Marco Antônio Alves, coordenador de Comunicação Institucional e Responsabilidade Socioambiental